sexta-feira, 7 de maio de 2010

Neymar nem terra

Este é o primeiro texto do blog. O título debutante é um trocadilho.Foi inspirado
no provérbio que diz “nem tanto ao mar nem tanto a terra”.No dia-a-dia o provérbio quer dizer algo do tipo assim: mantenha-se equilibrado, evite os extremos, vamos manter o bom senso, etc. Aliás, manter-se equilibrado é o sonho de consumo de dez entre dez pessoas. O equilíbrio ganhou status de super-herói, pois é o único que consegue rivalizar com o maior e mais mal explicado vilão moderno, o stress.

Dentro da literatura, existe uma visão do meio-termo, do equilíbrio, bem menos glamorosa. Esta visão se encontra no ótimo livro do literato alemão Hermann Hesse intitulado Der Steppenwolf (O lobo da estepe no Brasil). Hesse não poupa críticas ao se referir ao meio-termo como uma espécie de mediocridade humana, lugar comum do homem burguês (enquanto estado de espírito). Para o autor, o meio-termo é um lugar “confortável”, que evita todos os pares de opostos da vida humana e as conseqüências de uma escolha. Como exemplo, Hesse cita o burguês tranquilamente não se entregando nem a Deus, nem ao mundo, não aspirando ser santo nem libertino, apenas usando o que de melhor ambos tem a oferecer. Em suma, meio-termo confortável.

Futebolisticamente falando, a convocação ou não de Neymar para a seleção, parece ser uma luta travada entre o primeiro e o segundo parágrafo.

No primeiro parágrafo consigo enxergar o Dunga e seu discurso (por ele intitulado) coerente. Nosso técnico sempre afirma, com ironia, que o seu discurso e sua prática andam lado a lado. Aqueles jogadores que sempre serviram a seleção com espírito patriótico invejável (que ele diz ter resgatado) têm a sua preferência. Aqueles que estão com ele desde o começo, formam seu exército de combatentes. O nosso ex-capitão bélico usa a palavra ordem com uma freqüência espantosa. Para reafirmar esta “ordem”, usa como contraponto o que aconteceu em 2006, quando a badalada seleção (e seu quarteto mágico) sucumbiu à desordem, e entre cobrança de ingressos nos treinos, mulheres histéricas invadindo o campo, e meias abaixadas, a seleção novamente foi derrotada pela França. “Não me induzam aos erros do passado”, corrobora Dunga, toda vez que algum jornalista pergunta sobre este ou aquele selecionável.

Ponto para o equilíbrio. Todos os excessos estão cortados. “Olha o fantasma de 2006!” “Formamos um grupo de guerreiros!” (mesmo que for só na propaganda da cerveja).” São jogadores leais que preferiram a seleção em detrimento dos seus clubes”. “Quem está comigo está bem!”. Platonicamente falando, Dunga elegeu o ideal (seu grupo) e fechou os olhos para empírico (a mutabilidade do futebol). Meio-termo idealizante.

Porém a mutabilidade está aí, e Neymar não nos deixa enganar. Que culpa tem ele, de só ter “aparecido” para o futebol este ano?

“Droga!” deve pensar o Dunga, tudo estava tão certo com meu grupo de assíduos guerreiros!

O nosso técnico confia que se ganhar, poderá cuspir na cara dos jornalistas e rancorosamente poderá afirmar “Tá vendo eu não falei que estava certo”? “Eu formei um grupo” (Meu Deus, não dá pra esquecer que o Hulk foi um dos soldados dispensados), etc., etc.

Sou daqueles que penso que a mutabilidade das coisas é algo que não podemos deixar de enxergar. No futebol então...
A primeira visão do meio-termo, equilibrado, idealizado, parece não suportar o odor da realidade. Esse garoto Neymar é impressionante e sua convocação pode nos trazer momentos de deleites inesquecíveis. Não acho nem necessário recorrer ao argumento que afirma que o Brasil sempre se deu bem nas Copas quando levou algum garoto (Pelé em 58, Ronaldinho em 94, entre outros). Ora, se isso fosse verdade (idealizável?) bastaria toda véspera de Copa inventar algum craque (caso não existisse nenhum), incluirmos o garoto no grupo e pronto, já estamos de mãos dadas com o destino. Seríamos todos ricos, pois quadrienalmente ganharíamos fortunas nas casas de apostas. Penso que a tradição neste caso não resolve nada.

Para terminar, prefiro o meio-termo hesseano. Optar por extremos e assumir suas conseqüências é mais arriscado, porém mais digno. O Dunga também deveria pensar assim, e abrir uma fenda no seu idealizado grupo e incluir o Neymar.

Comecei o texto com um provérbio e termino com outro (este sem trocadilho). Para mim, futebolisticamente e, perdoem-me, hereticamente falando, “é Deus no céu e Neymar na terra”. Mas não em qualquer lugar da Terra. De preferência, quero vê-lo lá pelas bandas do berço da humanidade. Quando? Em meados de junho de 2010.

Adendos:
1) Caso Dunga convoque o Neymar constataremos que a mutabilidade venceu
2) Todos os argumentos são extensivos também, ao não menos genial, Paulo Henrique Ganso.